O grupo parlamentar da UNITA, maior partido da oposição angolana que o MPLA (ainda) permite, solicitou hoje a presença do Presidente de Angola, João Lourenço, na Assembleia Nacional, para um “debate urgente sobre a crise de governação actual”. Quem foi que, mentindo, disse ao partido de Isaías Samakuva que Angola é um Estado de Direito Democrático?
Na carta submetida hoje ao Parlamento, a bancada parlamentar da UNITA considera ser “mais do que altura de o actual titular do poder executivo passar a prestar contas à Assembleia Nacional e responder às perguntas e às preocupações dos deputados, representantes do povo soberano de Angola”.
Numa conferência de imprensa, organizada para manifestar “preocupação contínua” com a “degradação da qualidade dos serviços prestados às populações”, o grupo parlamentar da UNITA falou sobre a situação da seca, que afecta províncias do sul do país, da falta de água e de combustível, do aumento de doenças, e dos casos de violações dos direitos humanos e de intolerância política. Tudo, recorde-se, problemas que não são da responsabilidade do MPLA pois, como se sabe, o MPLA só é governo desde… 1975.
Segundo o presidente da bancada parlamentar da UNITA, Adalberto Costa Júnior, os alertas para estas questões têm por base uma visita de constatação nos últimos dias a 106 dos 164 municípios de Angola.
Relativamente à questão da água, cujo fornecimento, mais concretamente na província de Luanda, capital do país, tem sido de “água insalubre”, o deputado disse que, durante anos, o programa governamental “Água para Todos” gasta milhares de milhões de kwanzas do Orçamento Geral do Estado, mas “mantém mais de metade dos angolanos sem acesso a água potável”.
Sobre a crise dos combustíveis, que afecta várias províncias de Angola há algumas semanas, “com enormes consequências para as populações, empresas e escolas, por alegada dívida para com a petrolífera nacional”, Adalberto Costa Júnior considerou que, mais uma vez, se justifica a realização da Comissão de Inquérito Parlamentar solicitada pelo grupo parlamentar da UNITA, entretanto, negada pelo Parlamento do MPLA, para se aferir “o valor real da dívida e serem evitadas descontinuidades na prestação de serviços públicos”.
No que diz respeito à grave situação de seca e fome (sendo que, segundo João Lourenço não há fome em Angola) que afecta as províncias do Cunene, Namibe e Huíla, o político frisou que ser “cíclica e previsível”, lembrando que, em 2013, o grupo parlamentar da UNITA alertou para o fenómeno, tendo um grupo de deputados que visitou as regiões afectadas apurado que “grupos organizados utilizam as crises cíclicas para garantir sobrevivência dos seus negócios, depauperando os meios destinados à emergência e que mal chegam às populações”.
Segundo o deputado, de 2010 a 2017, o Estado angolano gastou 791.400 milhões de kwanzas (2.160 milhões de euros) para a execução de projectos no sector das águas e respectivas infra-estruturas.
Nesse sentido, reiterou a necessidade de a Assembleia Nacional autorizar “com urgência” as comissões parlamentares de inquérito que o grupo parlamentar da UNITA vem solicitando, como contribuição para a “moralização da gestão da coisa pública”.
“Nada garante que a solução anunciada agora, com a visita do Presidente da República, seja executada se não for fiscalizada pela Assembleia Nacional e outros órgãos afins”, referiu.
O grupo parlamentar da UNITA recomendou que o executivo não seja o único actor na programação e implementação dos projectos sobre a situação de seca no sul do país, devendo incluir também a sociedade civil, igrejas e organizações não-governamentais “com conhecimento e acção nas áreas afectadas”.
Olhem que o chefe do posto pode zangar-se
Recorde-se que, sempre com a ilusão de que Angola é o que não é (o tal Estado de Direito), o grupo parlamentar da UNITA anunciou no passado doa 30 de Janeiro que iria submeter ao Tribunal Constitucional (outra sucursal do MPLA) um pedido de apreciação da constitucionalidade do acórdão que proíbe a Assembleia Nacional de fiscalizar os actos do executivo.
Adalberto Costa Júnior disse na altura que a sua bancada parlamentar iria vai propor a cada deputado dos grupos parlamentares do MPLA, da CASA-CE e das representações parlamentares do Partido de Renovação Social (PRS) e da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), a subscrição do documento a remeter ao Tribunal Constitucional.
“Com este acto vamos verificar quem é que de facto abraça a transparência, a impunidade, a acção fiscalizadora da Assembleia Nacional e quem, ao contrário, se posiciona contra direitos constitucionais e restrições à acção das instituições”, referiu Adalberto da Costa Júnior.
Em causa estava o acórdão 319 do Tribunal Constitucional, de 9 de Outubro de 2013, que declarou inconstitucionais quatro artigos do Regimento da Assembleia Nacional, em vigor na altura, proibindo a Assembleia Nacional de fiscalizar os actos de governação do executivo.
Segundo Adalberto Costa Júnior, no mesmo ano do referido acórdão, 22 deputados do grupo parlamentar do MPLA escreveram ao Tribunal Constitucional, requerendo a verificação da constitucionalidade de um conjunto de artigos da Lei Orgânica que Aprova o Regimento da Assembleia Nacional, tendo decidido favoravelmente à petição.
O dirigente da UNITA lembrou que desde aquela altura, a Assembleia Nacional passou a impedir a realização de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), bem como de iniciativas parlamentares de fiscalização à governação, “sob o pretexto de que careceriam de prévia autorização do titular do poder executivo, o Presidente da República”.
O deputado referiu que com esta situação, a UNITA viu sem resposta ou impedidos requerimentos dirigidos à Assembleia Nacional para a abertura de CPI ao Banco Espírito Santo Angola (BESA), à Sonangol, ao Fundo Soberano de Angola e à Dívida Pública.
Nesse sentido, sob orientação da direcção da UNITA, o grupo parlamentar tinha prontas para remeter de imediato à Assembleia Nacional a realização de comissões parlamentares de inquérito ao antigo BESA e sobre a gestão da Sonangol, e “cada vez mais urgente e necessária” ao Fundo Soberano e à Dívida Pública.
Para o grupo parlamentar do Galo Negro, a fundamentação para estas comissões “continuam muito actuais e na ordem do dia”, tendo em conta o processo de repatriamento de capitais, a acção da Procuradoria-Geral da República e do Tribunal de Contas.
Garante que continuam a ser matérias “relevantes e de interesse nacional, envolvendo actores políticos e actores institucionais actuais, cujos actos continuam por clarificar e com graves consequências sobre a situação de crise acentuada que o país vive”.
E então o Pai Natal JLo?
No dia 12 de Fevereiro de 2018, os deputados da UNITA defenderam que as autoridades do país “devem ter cultura de planificar as necessidades reais” e “não depender de pressões sociais ou de orientações do Presidente da República”. Como? Não é crime acreditar no Pai Natal. Também não vem mal ao mundo quando os deputados resolvem mascarar o Galo Negro com um traje de pintainho acabado de nascer…
O posicionamento, correcto mas idílico, foi expresso pela deputada Amélia Judith Ernesto, no final da visita que uma delegação parlamentar da UNITA efectuou à sede do gabinete provincial de Educação de Luanda, quando questionada sobre o anúncio da contratação de novos professores.
“Porque se houver uma outra pressão num determinado sector, o Presidente vem novamente a público, porque orientou isso, o país não pode continuar a andar com base na pressão, porque se houver aí uma pressão de médicos ou engenheiros, o Presidente vem a público e autoriza”, disse a deputada. Melhor fora que estivesse calada ou, no mínimo, evitasse dar mais trunfos ao MPLA.
Seja como for, adiantou, a “iniciativa do Presidente da República, João Lourenço, sobre a contratação de novos professores deve ser seguida com acções concretas de execução e planificadas as reais necessidades do país”. Como se não bastassem as habituais verdades de La Palice que caracterizam os governos do MPLA (sejam os liderados por Eduardo dos Santos ou este comandado por João Lourenço), veio a deputada da UNITA descobrir a roda e dizer-nos que as pessoas antes de morrer estavam… vivas.
A chefe da delegação parlamentar da UNITA, que falava à imprensa no final da visita, manifestou-se também preocupada com as “enormes dificuldades” por que passa o sector da educação no país e, em particular, em Luanda.
“Há, por exemplo, a questão do rácio alunos/salas de aula, sabem que Angola do ponto de vista educativo está na reforma e essa reforma deve estar incluída numa componente de forma completa”, referiu.
Vejamos, novamente, a declaração de deputada: “… Angola do ponto de vista educativo está na reforma e essa reforma deve estar incluída numa componente de forma completa”. O que é que isto quer dizer? Nada. Aliás, Amélia Judith Ernesto certamente reconhece que queria dizer algo mais perceptível, mais entendível. Ou será que teimará, como outros dos seus colegas, a dizer: sim, não, talvez, pelo contrário, não obstante todavia…?
Segundo ainda Amélia Judith Ernesto, a reforma educativa em Angola “está a percorrer de forma insuficiente, como é o caso do excessivo número de alunos na sala de aula”, referindo-se ao rácio aluno/professor, o que afirma contradizer a reforma curricular. É mesmo brilhante a forma como a deputada se expressa. É como ler, à noite, um jornal sem letras à luz de um candeeiro apagado…
Folha 8 com Lusa
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